sábado, 19 de julho de 2008

Noam Chomsky: um dissidente no país do Tio Sam

Meu primeiro contato com a obra de Noam Chomsky foi em janeiro de 2007, quando comecei a pensar sobre qual assunto iria escrever o meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo. Comprei o livro Poder e Terrorismo, uma coletânea de palestras que Chomsky ministrou sobre os ataques de 11 de setembro de 2001, e a impressão que os escritos dele me causou foi a melhor possível.

Chomsky é reconhecido internacionalmente pelos seus estudos lingüísticos – área na qual é doutor e professor, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts – e por suas posições políticas e críticas à política externa norte-americana. Um dos fatores que favorece o respeito e a credibilidade de seus argumentos, na minha opinião, é que ele não se posiciona ou critica o governo dos Estados Unidos sem fundamentação teórica. Tudo que escreve ou diz é o resultado de anos de pesquisa e leitura de documentos oficiais e históricos e da imprensa mundial, os quais menciona com dados bibliográficos completos em cada artigo ou livro seu.

Após ler e reler algumas de suas obras, como 11 de setembro, Piratas e imperadores: antigos e modernos: o terrorismo internacional no mundo real, além do livro já mencionado no início desse texto e de alguns artigos, pude compreender a lógica perversa que está por trás de grande parte das ações externas do governo do Tio Sam. Visto que, nem tudo o que acontece é devidamente registrado pelos veículos de comunicação, acredito ser de grande importância compartilhar alguns dos esclarecimentos que obtive a partir do estudo de Chomsky.

Entre questões controversas e/ou tratadas de forma parcial pela mídia norte-americana, o autor aborda a distorção do conceito de terrorismo. Nesse caso, acredito que o mais apropriado seja transcrever alguns trechos do próprio Chomsky, permitindo que cada um tire as conclusões que mais lhe forem plausíveis.

“Uma breve definição, extraída de um manual do exército norte-americano, diz que ‘terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça de violência para atingir metas ideológicas políticas ou religiosas mediante intimidação, coerção ou instilação do medo’. [...] Só que há um problema. Se usarmos a definição oficial de terrorismo desse tratado abrangente, chegaremos aos resultados errados. [...] Se examinarmos a definição de ‘guerra de baixa intensidade’, que é a política oficial dos Estados Unidos, veremos que é uma paráfrase bastante próxima do (conceito) que acabei de ler. Na realidade, ‘conflito de baixa intensidade’ é apenas um outro nome para terrorismo. É por isso que, pelo que sei, todos os países designam de contraterrorismo quaisquer atos horrendos que estejam cometendo.” (CHOMSKY, 2001, p. 19-20).

“ (...) é um gravíssimo erro analítico dizer, como se costuma fazer, que o terrorismo é a arma dos fracos. Como qualquer outro meio de violência, o terrorismo é primordialmente, esmagadoramente, uma arma dos fortes. É considerado a arma dos fracos porque os fortes também controlam os sistemas doutrinários, nos quais o seu terror não conta como terror.” (CHOMSKY, 2001, p. 9).

“E os Estados Unidos estavam fornecendo 80% das armas usadas pela Turquia [na guerra contra os curdos], um fluxo que aumentava à medida que as atrocidades aumentavam, até o pico de 1997. Houve uma diminuição em 1999, pois o terror já havia cumprido sua função – como geralmente acontece quando perpetrado por seus principais agentes, os poderosos. Assim, em 1999 o terror turco – designado contraterror, evidentemente, mas como já disse, isso é universal – mostrou que funcionara.” (CHOMSKY, 2001, p. 13).

“O que torna tudo isso [o apoio dos EUA à Turquia] particularmente chocante é que ocorreu em meio a um tremendo estardalhaço autocongratulatório da parte dos intelectuais do Ocidente, algo provavelmente sem paralelo na história. [...] É espantoso. Acho que nem mesmo num Estado totalitário isso seria possível. [...] Afinal, este é um país livre. Podemos ler relatórios sobre direitos humanos. Podemos ler sobre qualquer coisa. Mas optamos por contribuir para as atrocidades.” (CHOMSKY, 2001, p. 14-15).

Essas citações* são apenas uma ínfima amostra das contundentes idéias e críticas de Noam Chomsky em relação à política externa de seu país. Para quem quiser conhecer mais desse ativista político (fundamental para compreender os conflitos mundiais atuais) e entrar em contato com seus artigos e bibliografia deve acessar o site: http://www.chomsky.info/.

* todos os trechos acima foram retirados do artigo “A nova guerra contra o terror”, proveniente da palestra feita pelo autor, em 18 de outubro de 2001, no Fórum de Tecnologia e Cultura do MIT, EUA, e publicado na revista Estudos Avançados (USP), vol. 16 do ano de 2002.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Uma metralhadora de idéias e a Bossa Nova


Não sou uma pessoa que aprecia poesia. Talvez por ignorância, ou simples falta de sensibilidade aguçada, costumo não as compreender ou simplesmente não me sentir tocadas por elas. Mas contra poetas nunca tive desapreço. Só não sabia que eles poderiam ser tão bem-humorados quanto Fabrício Carpinejar.

Ontem à noite, no Encontros com o Professor, do jornalista Ruy Carlos Ostermann, o Carpinejar foi ótimo! Subiu ao palco com as unhas da mão esquerda pintadas, a palavra 'poesia' escrita na cabeça (por meio de um corte de cabelo), um chapéu nada discreto e um óculos idem. Assim, falou sobre tudo, tudo mesmo. Como uma metralhadora de frases, o poeta excêntrico revelou fatos de sua vida pessoal e falou sobre amor, família, sexo, bom-humor, terapia, e, claro, literatura.

Vale destacar algumas das pérolas (no bom sentido) que ele proferiu, e que, ao contrário da poesia, fizeram algum sentido pra mim.

“É bonito a gente desaparecer em quem a gente ama.”

“Viver não é para ser fácil, mas eu não abdico dessa dificuldade.”

“Achamos que a dor nos deixa sábios, não a alegria.”

“Não valorizamos os erros, mas tem erros na minha vida que me valorizam.”

A canja musical ficou por conta do grupo Bossa Nova 50 anos, também excelente. Tocam muito bem, além de terem feito uma seleção de repertório impecável, só com as melhoras músicas da época: Wave, Garota de Ipanema, Água de Beber.

No dia 24 de julho, será a vez do cineasta Cacá Diegues, no StudioClio, às 19h30min, em Porto Alegre.

Para ler mais sobre o evento, acesse: www.encontroscomoprofessor.com.br

Crédito das fotos: Carlos Carvalho

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fronteiras do Pensamento trouxe Ayaan Hirsi Ali a Porto Alegre


Nada mais apropriado para lançar oficialmente este blog, que se pretende crítico, do que publicar as idéias de Ayaan Hirsi Ali, considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Revista Time.

Cabe, primeiramente, apresentar uma breve biografia, para situar aqueles que desconhecem a trajetória dela, que é um exemplo de superação e de luta pela liberdade de expressão.
Ayaan Hirsi Ali é uma africana, nascida na Somalia, que cresceu sob os preceitos da religião islâmica e dos costumes tribais da região. Em 1992, seu pai a prometeu em casamento para um primo distante, o qual a buscaria na Alemanha para morar com ele no Canadá. Chegando na Europa, ela teve certeza de que não queria viver subjugada a um homem que não amava, decidindo, então, fugir antes do matrimônio. Foi para Holanda, onde viveu como refugiada até obter a cidadania holandesa. Posteriormente, formou-se em ciência política, integrou o parlamento holandês e passou a lutar pelos direitos da mulher muçulmana. Atualmente, vive nos Estados Unidos, com seguranças particulares, pois foi jurada de morte pelos fundamentalistas islâmicos. É autora dos livros Infiel e A Virgem na Jaula.


Uma mulher de muita coragemcoletiva de imprensa de Ayaan Hirsi Ali


Cercada por seguranças, Ayaan Hirsi Ali chegou ao Hotel Sheraton, em Porto Alegre, com mais de uma hora de atraso do horário marcado para o início da coletiva de imprensa. As assessoras do evento disseram que foi por causa do atraso no vôo, que vinha de São Paulo, mas soube pelos jornais que a levaram para passear pelo Palácio Piratini antes de chegar ao Hotel. Independentemente do motivo, a espera não desanimou, em momento algum, os jornalistas que lá estavam, todos ansiosos para ouvir as respostas daquela que ficou mundialmente conhecida por desafiar o Islã.

Pela impressão que tive, Ayaan pareceu bastante tímida e reservada, mas segura. Respondeu as questões dos jornalistas olhando nos olhos, sem titubear ou gaguejar. Tinha plena convicção do que estava falando. Também se mostrou muito atenta a tudo em sua volta e à tradução simultânea que o intérprete realizava para ela. O que mais impressiona é o contraponto entre a sua voz suave e aparência delicada, com rosto que lembra os traços de uma menina, e as suas ações e críticas contra os extremismos praticados pelos seguidores da religião islâmica.

Ayaan iniciou a coletiva falando sobre o momento em que passou a questionar o Islã, já que desde pequena foi criada e educada para seguir os preceitos dessa doutrina sem questionar a palavra de Alá. Contudo, após os ataques de 11 de setembro, nos EUA, passou a se perguntar: que tipo de religião é essa que age com extrema violência? A partir daí, percebeu que, ao repreender os atos praticados pelos seus irmãos de fé, não poderia mais ser considerada uma muçulmana.

Assim, começou a sua luta contra os abusos e opressões praticados em nome da religião. Embora já morasse na Holanda, fugida de um casamento arranjado pelo seu pai, Ayaan não estava predisposta a pregar contra os seus costumes até os desfechos de 11 de setembro. Antes disso, apenas vivia de uma forma um pouco mais ocidental do que os seus familiares suportariam – usando calças jeans, andando sem véu pelas ruas e estudando em uma universidade holandesa.

Além dos ataques aos EUA, seu contato com os ideais iluministas também fizeram-na repensar a teoria política pregada pelo Corão.
– Eu tento sempre fazer uma distinção entre as pessoas e as doutrinas muçulmanas. Os seguidores são capazes, na maioria das vezes, de viver em uma democracia, mas as normas políticas disseminadas pela religião são incompatíveis com o iluminismo e a doutrina liberal. Ela prega a submissão de todos a vontade de Deus: as mulheres devem ser obedientes e servis, os homossexuais devem morrer e os não-muçulmanos devem ser subjugados aos muçulmanos, os quais devem pregar por meio da palavra ou do uso de armas – afirmou Ayaan.

É a complexidade da religião islâmica, que segundo ela, deve ser compreendida pelos líderes ocidentais, pois só assim eles poderão ultrapassar a sua fase de apatia, e perceber que essa não é apenas uma religião diferente, que deve ser aceita. Ayaan clamou para que esses líderes ajudem na luta pela emancipação da mulher muçulmana e pela liberdade de expressão.
– É o multiculturalismo existente que permite a permanência de fundamentalistas que ferem os direitos humanos. Os ocidentais ignoram as condições em que vivem grande parte das mulheres e das crianças islâmicas, romanceando essa cultura tribal que, com certeza, não teriam coragem de aplicar aos seus filhos – criticou com veemência.

Um dos piores abusos cometidos em nome da religião é a mutilação do órgão genital feminino. Ayaan, que foi vítima dessa prática tribal, devido às crenças de sua avó, contou que é equivocado associar a extirpação do clitóris feminino com o islamismo, pois nem o Corão nem a Suna manifestam-se sobre esse aspecto. No entanto, declarou que países que seguem os preceitos desses livros acabam por adicionar a mutilação, a fim de garantir a castidade das mulheres até o casamento.
– Sem o clitóris a mulher perde a libido e, somada a costura da região genital, garante que ela se mantenha “intacta” até o casamento. Para acabar com isso é preciso atacar o dogma de que a virgindade é mais importante do que a vida dessas mulheres – combateu Ayaan sob o olhar de consentimento dos jornalistas presentes.

Embora tenha deixado claro que sua intenção não é pregar o ateísmo – mas sim lutar para que as pessoas possam se expressar e aceitar as idéias contrárias às suas, sem achar que devem matar os dissidentes – Ayaan, com a delicadeza que lhe é peculiar, questionou a fé em um ser superior. Por sua experiência de vida, afirmou ter passado a crer na teoria de que foi a humanidade que criou Deus, e não o contrário. (Para ver essa questão na íntegra acesse http://www.youtube.com/watch?v=NSb2hzbO4PU ).

Sobre a vida atribulada que leva, já que precisa viver rodeada de seguranças desde que foi jurada de morte, em 2004, ela garante que procura ter uma rotina normal:
– Dentro dos meus limites, faço tudo aquilo que as outras pessoas fazem, como sair com os amigos, passear, trabalhar.

Ao final da coletiva, que durou cerca de uma hora (e que, na minha opinião, deixou um gosto de ‘quero mais’) a determinada ex-muçulmana lembrou da amizade e dos conselhos de Salman Rushdie.
– Ele é um querido amigo que sempre me motiva para não ceder a pressão, seja ela das ameaças de morte que sofro, ou do fato de ter que andar com segurança pessoal. E não pretendo ceder – finalizou, resolutamente, Ayaan.

Antes de deixar a sala, discretamente, me dirigi a ela e pedi para que autografasse o livro Infiel (sua autobiografia), o qual li admirada. Como não poderia deixar de ser, ela sorriu e assinou a obra que, para o bem ou para o mal, a tornou conhecida no mundo inteiro.

PS: À noite, assisti à conferência do Fronteiras do Pensamento, na qual, além de Ayaan Hirsi Ali, o psicanalista brasileiro Rentato Mezan falou sobre os problemas do multiculturalismo e do fundamentalismo religioso. Mas esse será o tema de um próximo post.

Crédito da foto: Deborah Cattani